sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Escreve, vomita, distorce

Quando falta tempo, Maria escreve igual uma doida. Não quer saber de pontuação nem de ordem direta, escreve para se dizer escritora. Não tem nada para narrar, sua relevância é nula – e de seus textos é negativa. Mas tem prazer ao ver que conseguiu juntar as palavras que sabe e ao final poder ler, reler e repassar tudo o que não sabe. Maria não é besta. Gosta de narrar o que vê – e o que vê é tão sem graça... Uma sala, dez computadores, planilhas, contas, contatos, recados, ar condicionado e uma janela. Ah! A janela. Sempre há janelas em contos, ela parece querer te lembrar que sua vida em uma sala será sempre um saco. Não importa o que rola entre as quatro paredes – se rolar ao ar livre será sempre melhor – a não ser que no trancado haja palco. Lá fora há mundo, há vida, há algo que lembra liberdade. O vento no cabelo, daquele que levanta a saia e deixa Maria sempre sem graça – que graça. Esta sim! Vale a pena ver e admirar. Apesar de sempre fechada, por de trás de seus vidros escuros Maria enxerga um sol – que quando nasce parece mil; algumas árvores – que quando chove parecem voar; e claro: vê muros, prédios, trânsito... Mas estes Maria finge que não vê. E é menina tão dispersa que vive buscando o que narrar. Nessa vontade de escrever, ela vomita suas vontades, distorce toda a verdade e – em um átimo, lembra que tem que voltar à trabalhar...

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Foi por só/não saber querer

ou: Poemas de rosa e cravo


Foi um passo incerto
Deste que te leva, leve
Em qualquer lugar

Foi por não querer saber
Que me fez querer
Ver onde isso vai dar

Foi você chegar ligeiro
Cheio de manejo
Pra me conquistar

Foi você aparecer
E despertar o ser
Que se pôs a dourar


Foi um passo certo
Deste que me leva, leve
Só pra este lugar

Foi por só querer saber
Que te fiz querer
Ver onde isso vai dar

Foi por seu olhar desperto
Cheio de desejo
Pra me conquistar

Foi você aparecer
E despertar o ser
Que se pôs a amar




quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Que venha!


É preciso tirar o pó da fantasia
Uma fervura me incita
As marchinhas estão na língua
Salta purpurina
O sol não se esquece
Esquenta, arde, enlouquece
Quarta a chuva vem – com gosto
Curar a ressaca
Curar o desgosto
- Desgosto amargo das bocas embriagadas
Já era hora de achar seu Pierrô
Na avenida, na rua, nas casas
As mascaras libertam as almas pacatas
Ninguém se acanha; ninguém se vexa
É carnaval.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Excêntrico

Definição do Michaelis:
ex.cên.tri.co
adj (ex+centro+ico2) 1 Que está fora do centro. 2 Que tem centro diferente (como dois círculos ou duas esferas, cujos centros não coincidem). 3 Diz-se de uma elipse, em relação à sua maior ou menor excentricidade. 4 Bot Diz-se do ovário, quando não ocupa o centro da flor e do embrião, quando não está no centro do perisperma. 5 Esquisito, extravagante, original. 6 Não conforme ao uso. Antôn (acepção 2): concêntrico. sm 1 Indivíduo que tem excentricidades. 2 Peça que, girando em torno de um ponto que não é seu centro, transforma um movimento circular contínuo em retilíneo alternativo; came. Var: excêntrica.

Disseram que sou excêntrica. É. É muito provável que eu seja.
Se me incomoda?
Nem um pouco.

A noite de ontem:
Bar com as amigas e seus respectivos. Aquele encontro inevitável das pessoas que se viram crescer. Talvez o inusitado do encontro seja eu, a mais distante e, por conseqüência, a mais saudosista.
Os assuntos mudam com o tempo. O que antes era os possíveis amores, as brigas com os pais, entrar na faculdade; agora virou: o futuro com o companheiro, as risadas com os pais e trabalho. Hoje o desconforto que quase chega à mesa é logo confortado pela cerveja gelada. Hoje, continuamos meninas, sem dinheiro, buscando serem tratadas como mulheres independentes e auto-suficientes! Não esperávamos que depois de formadas ainda houvesse um hiato à vida adulta, à nossa casa. Logo a temática das pseudo-adultas se esgota. Afinal, continuamos no mesmo lugar, cada uma mora em uma esquina, de um mesmo quadrado, os parceiros – finalmente – são constantes, e o trabalho também.
Enfim, segue-se o papo de bar. E aí vejo que pode ser... meu eixo é outro. Oscila entre ligação surpresa a quem fui apresentada uma só vez. Festas extravagantes com ar de hippie. Desejos de ir à Disney, e claro: Cuba. Até por escrever entro neste contexto. E aí percebo que sim, quem escreve é excêntrico. Sou treinada a ver outros mundos. O que você observou naquela mesa de bar – felizmente – não é nem metade das histórias que agora tenho para contar. Sou excêntrica. Assumo. E sou feliz.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Manias

Acordava sempre assim, tinha ainda dez horas das quais queria dormir. Era de uma preguiça invejável, daquela manhosa, gostosa, mas levantava cedo. Alongava até a alma para sair da cama. Os braços ficavam maiores, as pernas se moviam por todos os cantos, todos os lados, cada uma por si. A boca? Esta engolia o mundo! Mexia os lábios como em novela mexicana, não havia palavra, apenas gestos e expressões silenciosas de quando o sol está nascendo. Assim também eram suas mãos. Seus dedos se alongavam como em uma dança, mexiam, brincavam entre os filetes de luz e sombras que saltavam à janela - através dos tecidos roxos e verdes - enfeitavam os gestos pesados de um corpo relutante. Apesar de tanto bailar e se esfregar contra um colchão tão macio, largava-o assim: sem ninguém a lhe amaciar; e pensava: Seria bom ter um par, não te deixaria assim pela manhã, frio de tão só. A Testemunha acima ria da pseudo-caridade. Para fugir do sono encharcava o rosto, a água era tanta que a forçava a cerrar os olhos – e ai sonhava mais uma vez. Fingia que a cama não estava mais lá; que saiu do ressinto por medo de acamar com tanta preguiça. Esfregava os dentes, passava a lavanda. Vestia-se de branco aos tons pastéis, sandália de meio salto – para ganhar dois centímetros a mais de mulher. Saía leve, ao seu tempo. Era levada pelo vento. Seguia meio dormindo, meio acordada. Sonhava que o sol sempre esteve a pino, que as poças eram coloridas, que todo dia era belo e que toda a manhã era um seguir por dentro de seu sonho. Não, nunca acordava.